terça-feira, fevereiro 05, 2013

HUMILDADE


O cristianismo fez dela uma das mais importantes virtudes,  condição mesma para viver sua proposta. Pois para reconhecer a majestade e a  infinitude de Deus e reconhecer-se criatura finita, pobre e limitada, é  preciso ser humilde, ou seja, ter noção exata da própria  envergadura e  dos próprios condicionamentos.

  Apesar de o Cristianismo  raramente ter sido considerado uma religião humilde, quase sempre associado à  arrogância religiosa e ao triunfalismo, e com uma confiança absoluta na  verdade superior de seus próprios ensinamentos, a virtude da humildade  desempenhou papel central na tradição cristã desde suas origens.  Santo  Antão a ela se refere como “a primeira de todas as virtudes” e, para Santo  Agostinho, consiste na “soma total do remédio que nos cura”. 

Dentro da  tradição monástica do Ocidente, o caminho de subida para Deus foi desenvolvido  em termos de doze degraus de humildade.  E sua importância é tema central  na reflexão e nos escritos da maioria dos místicos cristãos, desde Gregório o  Grande até o anônimo autor inglês da “Nuvem do não saber” do século XIV;  passando pela grande mística carmelita Teresa de Ávila e por João da Cruz até  os diálogos espirituais entre Francisco de Sales e Joana de  Chantal.

      Mesmo em tempos em que a  importância da humildade possa ter parecido ser virtualmente eclipsada pelo  triunfalismo e o poder eclesiástico, continuou a encontrar seu lugar central e  inequívoco na obra de grandes teólogos como Tomás de Aquino e fundadores e  espirituais do porte de Inácio de Loyola, que propõe em seus Exercícios  Espirituais levar o retirante ao terceiro grau de humildade, desejando antes a  pobreza e a loucura por Cristo do que o prestígio que o mundo  dá.

     E embora a noção de humildade tenha  sido olhada como profundamente oposta à ênfase moderna na autonomia humana e  na excelência individual, ainda figura com proeminência nos escritos de  autores espirituais mais contemporâneos como Simone Weil, Emmanuel Mounier e  Jean-Louis Chrétien.  Este último chega a afirmar: “É bonito que a mais  profunda das virtudes tenha uma reputação tão negativa.  “

      Realmente, o que vem a humildade,  com seu conteúdo de verdade e modéstia, de simplicidade e verdade, fazer num  mundo que canoniza o poder, que vive de aparências, supervaloriza o ter em  detrimento do ser e constrói a cada minuto ídolos e fetiches que o possam  guindar sempre mais alto nas escalas social e profissional, à frente, nunca  atrás, ainda que seja usando os outros para conseguir seu  intento?

    Uma pessoa humilde é malvista em nossa  sociedade.  Dela diz-se que não tem ambição nem garra, é fraca de  personalidade, que não sabe se impor.  Mais: é tida como boba, idiota,  que não sabe aproveitar as oportunidades e chances que a vida lhe dá e se  deixa ultrapassar pelos outros.  Não se apega às conquistas conseguidas,  não se agarra ao prestígio e ao poder dela emanados, mas deles se afasta,  deixando o caminho livre para os adversários e concorrentes.

Maria Clara  Lucchetti Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio