terça-feira, agosto 06, 2013

O RASTRO LUMINOSO QUE FRANCISCO DEIXOU por Maria Clara Lucchetti Bingemer


Quando o avião  da Alitália que levava o Papa Francisco de volta ao Vaticano decolou,  certamente algo de muito importante havia acontecido em termos teológicos e  eclesiais.  E isto não apenas no Brasil, ou no Rio de Janeiro, onde se  concentrou sua visita, mas em toda a Igreja e no mundo inteiro, onde  homens e mulheres vivem, esperam, trabalham, amam e sofrem.
Qualquer  tentativa de balanço dessa luminosa visita permanece inconsistente diante da  estatura do visitante e das dimensões da mobilização que sua figura logrou.   Conscientes de que não esgotamos o tema, levantamos, no entanto, alguns  pontos que nos parecem importantes do legado de Francisco nesta Jornada  Mundial da Juventude. É a nossa leitura e estamos conscientes de que  certamente há muitas outras.

A  própria pessoa do Papa - Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco,  apresenta um perfil que impressiona e atrai. Não por causa de nada  extraordinário, mas exatamente pela sua normalidade, suas atitudes, seus  gestos.  
Faz questão de se comportar e agir como o comum das pessoas.   E isso faz com que todos e todas consigam identificar-se com ele e  abrir-se a sua mensagem. Ao ser interrogado, já no avião de volta, por que  carrega ele mesmo sua pequena maleta preta e não a entrega aos assessores,  respondeu com simplicidade contundente: “Porque é normal”.  E revelou o  conteúdo da mala, muito comum em qualquer sacerdote e, por conseguinte, também  no Papa, tal como breviário, ordinário da missa etc. 
      Francisco insiste  em que as pessoas da Igreja devem ser normais, como todo mundo. Não  esquisitas, não estranhas. Mas normais.  Nesse ponto, segue de perto seu  mestre espiritual, Santo Inácio de Loyola, que nas Constituições da Companhia  de Jesus, ao redigir as indicações de como deviam se vestir os jesuítas,  afirma: “Vistam-se como os sacerdotes honestos do lugar.” 
Sua concepção da missão da Igreja - Em  seus discursos o Papa deixou bem claro como entende a missão da Igreja. Deve  ser algo que desinstale, dinâmica, que saia da privacidade da sacristia e vá  ao espaço público.  Conclamou bispos e clérigos a cultivar a cultura do  encontro.  Isto implica sair dos espaços onde os segmentos eclesiais têm  o domínio e ir ao encontro das pessoas que estão fora, muitas vezes afastadas  e mesmo hostis à Igreja.

      E como aproximar-se  delas?  O meio é o diálogo, a abertura, o convite alegre à conversação e  à partilha. Aos jovens, sobretudo, recomendou essa atitude permanente, dizendo  querer agitação (lío, palavra espanhola que na verdade significa  confusão), movimento e não pasmaceira e acomodação nas dioceses e nas diversas  instâncias do tecido eclesial.  
A Igreja tem que sair de si, viver em  êxodo permanente, ir ao encontro dos outros, viver em estado de pastoral.   Essa é a Igreja de Francisco, Igreja que ele não inventa agora, mas que  resgata das fontes mesmas do Cristianismo.  Igreja alegre e participativa  como eram as primeiras comunidades, onde o Senhor cada dia acrescentava ao  número dos que a ela aderiam e eram salvos (Atos dos apóstolos, 2,  22-46)

 Seu entendimento da  composição do tecido eclesial - O Papa deixa bem claro ao terminar  sua visita à JMJ que o clericalismo – ao lado de outros ismos - é incompatível  com o rosto e o espírito da Igreja de Jesus Cristo. Não existe nem existirá  Igreja ou evangelização se os cristãos leigos, batizados sem mais adjetivos  não forem constitutiva e vigorosamente integrados à comunidade eclesial para  todos os efeitos: não apenas em funções de suplência ou acessórias, mas  participando das decisões, recebendo adequada formação e tendo voz ativa na  caminhada eclesial.  Somente uma Igreja que não funcionar em termos de  contraposição clero versus laicato poderá ser realmente Povo de  Deus, Corpo de Cristo e revelar ao mundo o Evangelho do amor e da  solidariedade.

    Sua denúncia  profética do consumismo e das injustiças - O Papa não poupou palavras e  expressões fortes para denunciar a cultura do provisório, os ídolos que  fascinam os jovens e lhes roubam o sentido da vida e a esperança, “os  mercadores da morte” que lhes oferecem viagens sem volta nas asas das  substâncias químicas e letais das drogas.  Ao mesmo tempo, sua denúncia  se transformou em anúncio alegre do que é a verdade. A verdade é o serviço  gratuito e desinteressado que se presta ao outro. Isto é a essência do  cristianismo e isto é que constrói a verdadeira Igreja. 
Ao fundo das  palavras e gestos do Papa, na esteira do rastro luminoso por ele deixado  refulge uma figura, uma pessoa.  Trata-se daquele que é a razão de ser de  seu compromisso e sua vida.  Daquele que é o horizonte de sentido que o  faz ser quem é, como é e fazer o que faz.  Aquele que, tendo a condição  divina, não se aferrou a suas prerrogativas mas tomou carne, habitou no meio  de nós e foi obediente até a morte de Cruz. Conhecê-lo, amá-lo, contemplá-lo  incessantemente é o caminho para qualquer peregrino, qualquer homem ou mulher  que se autocompreenda como um ser a caminho para a Verdade e a Vida.   Jesus Cristo: uma experiência mais viva de seu mistério, um desejo mais  forte de construir seu Reino.  Eis o coração, o núcleo do legado luminoso  do Papa Francisco nesta visita ao Brasil para a Jornada Mundial da Juventude.



Maria Clara Bingemer,  professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio






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