domingo, outubro 06, 2013

SÃO BRUNO, FUNDADOR DA ORDEM DOS CARTUXOS


Deus suscitou um novo patriarca da vida solitária, um homem da mesma estirpe dos Antão, da Tebaida, dos Hilarião, da Palestina; um homem e uma ordem que, pela vida penitente, deveriam servir de lição e de modelo ao clero e ao povo cristão, e atrair para sempre bençãos do céu sobre toda a Igreja; uma ordem que, após oito séculos, é ainda a mesma, sem nunca ter tido necessidade de reformas, nem em relação à pureza da fé, nem em relação à austeridade e à disciplina. Esse homem é São Bruno; essa ordem é a dos Cartuxos.

Bruno nasceu em Colônia, onde foi educado. Fez seus estudos na França, e o seu aproveitamento lhe pareceu a cátedra da escola de Reims. Manassés, arcebispo de Teims, fê-lo seu camareiro, como se pode deduzir de alguns atos que Bruno assinou nessa qualidade. Mas os benefícios com que Manassés o cumulou não lhe fecharam os olhos para os excessos praticados por aquele prelado nem lhe esmoreceram o zelo. Bruno foi um dos principais acusadores de Manassés que, para puni-lo, o privou de seus favores. Bruno sentiu menos tristeza com os maus tratamentos do que com os escândalos armados pelo arcebispo. Primeiro retirou-se para Colônia e, durante algum tempo, foi cônego de São Cuniberto; Deus, porém, chamava-os a um estado mais perfeito. Desde o tempo em que vivia em Reims, junto ao arcebispo Manassés, Bruno projetara, juntamente com alguns amigos seus, abraçar a vida monástica.

Bruno e seus companheiros levaram uma vida angélica nas tétricas montanhas da Cartuxa. Eis como se expressa Guiberto, abade de Nogent, famoso escritor daquele tempo, sobre a maneira de viver dos primeiros cartuxos: "A Igreja foi construída quase no cume da montanha. O claustro é muito cômodo; mas os cartuxos não moram juntos, como os outros monges. As celas são construídas ao redor do claustro e cada religioso ocupa uma delas, na qual trabalha, dorme e toma suas refeições. Recebem do ecônomo, aos domingos, pão e legumes para a semana. Os legumes são os únicos alimentos que eles cozinham em suas celas; uma fonte lhes fornece água para beber e para oturas utilidades, através de canais que desembocam nas celas. Aos domingos e dias santos solenes comem queijo e um pouco de peixe, quando os recebem de pessoas caridosas; pois não compram nada disso. Quanto ao ouro, à prata, e aos ornamentos da igreja, não os aceitam quando lhes são oferecidos. Um cálice resume a sua prataria. Não se reúnem às horas ordinárias; se não me engano, assistem à missa aos domingos e dias santos. Raramente falam e, se tem necessidade de dizer alguma coisa, fazem-no por meio de sinais. 

O vinho que bebem é tão aguado que não tem o mínimo sabor e mais parece água. Usam o cilício em cima da carne; suas roupas são bastante dinas. São governados por um prior: o Bispo de Grenoble serve-lhes, às vezes, de abade. Porém, embora sejam pobres, dispõem de uma rica biblioteca.
Guiberto assim prossegue: Tendo o Conde de Nevers ido visitá-los este ano, num ato de devoção, compadeceu-se da pobreza em que viviam, e enviou-lhes, ao regressas, algumas peças de prata de alto custo. Devolveram-nas, e o conde, edificado com a recusa, enviou-lhes couro e pergaminho, que sabia ser-lhes necessários na cópia de livros. Como as terras da Cartuxa são estéreis, semeiam pouco trigo; mas compram-no com a lá de suas ovelhas, que viram em grandes rebanhos, AO sopé da montanha moram mais de vinte leigos, que os servem com muito carinho, e que se ocupam com seus negócios temporais, pois os religiosos só se dedicam à contemplação. Em seguida, Guiberto refere-se ao grande número de conversões que o exemplo dos solitários da Cartuxa operou na França, e da diligência com que todas as províncias se empenharam em construir mosteiro do mesmo instituto.

O maior consolo de Santo Hugo, Bispo de Grenoble, era fazer freqüentes visitas a Chartreuse, a fim de edificar-se com a santa vida que levavam os piedosos solitários. Estes porém, mais edificados ficavam com a humildade do santo prelado, do que ele com as suas austeridades. Santo Hugo vivia entre os monges como se fosse o último de todos. Seu fervor fazia com que esquecessem sua dignidade, e ele prestava os mais ínfimos serviços àquele com quem se alojava; pois nos primórdios da fundação, casa cela era ocupada por dois cartuxos. Seu companheiro queixou-se a São Bruno de que Hugo fazia questão de desempenhar as funções de um criado; mas sentia-se honrado em servir os servos de Deus.

Muitas vezes São Bruno tomava a liberdade de mandá-lo de volta à sua igreja. "Retornai às vossas ovelhas, elas precisam de vós; dai-lhes o que deveis". O santo Bispo obedecia à Bruno como a um superior; porém, depois de passar algum tempo com seu povo, retornava à solidão. Pretendia vender seus cavalos e fazer a pé as visitas à sua diocese. São Bruno dissuadiu-o, receoso de que aquela singularidade parecesse uma condenação lançada aos outros bispos, e também, de que ele pudesse tirar do fato uma glória vã. Hugo seguiu-lhe o conselho; mas sua humildade obrigou-o a suprimir tudo quanto não julgasse dever à dignidade episcopal. Juntamente com São Bruno, o santo Bispo foi como que o pai dos cartuxos. Fez uma ordenação pela qual proibiu que as mulheres passassem pelas terras daqueles religiosos, pois temia que pudessem, perturbar-lhes a solidão. A ordenação com mais verossimilhança, datam os começos do instituto dos cartuchos.
 Tendo sido o Papa Urbano II, que fora discípulo de São Bruno, em Reims, informado da santa vida que este levava, havia seis anos, nas montanhas da Cartuxa, e aliás, ciente da sua erudição e sabedoria, chamou-o para junto de si a fim de aproveitar seus conselhos no governo da Igreja. O humilde solitário não poderia receber uma ordem que mais lhe custasse a obedecer. Teria que se arrancar à querida solidão, deixar os irmãos ternamente amados e arriscar-se a ver dispersar-se o pequeno rebanho reunido com tanta dificuldade; mas seu respeito pela Santa Sé não lhe permitiu fazer ponderações. O Papa recomendou a Cartuxa a Seguin, abade da Chaise-Dieu, notável pela piedade e autoridade; e Bruno nomeou Landuíno prior da Cartuxa durante a sua permanência na Itália.

Mas os solitários, habituados a sofrer alegremente as maiores austeridades, não conseguiram suportar a ausência de seu pai. A Cartuxa que, estando ele presente, lhes parecia um paraíso terrestre, retomou aos olhos dos monges, o seu verdadeiro aspecto, isto é, o de um deserto tétrico e inabitável. Não conseguiram mais suportar os contratempos e a falta de conforto e foram-se embora, sem contudo separar-se. A deserção dos monges obrigou São Bruno a entregar a fundação a Seguin, abade de Chaise-Dieu. Entretanto Landuíno, que fora nomeado prior, tão pateticamente exortou os irmãos a perseverarem que, após uma ausência não muito longa, eles retornaram à Cartuxa; foi-lhes esta devolvida pelo abade da Chaise-Dieu por ato datado de 17 de setembro de 1090.

Bruno foi acolhido pelo Papa com a consideração devida à sua piedade e aos seus merecimentos; e o Papa, que conhecia sua prudência, freqüentes vezes consultava sobre importantes negócios da Igreja; mas a confusão e o tumulto ligados à corte romana, para onde eram levadas todas as causas do mundo cristão, não apraziam a um religioso que já experimentara as doçuras da solidão e da contemplação. Bruno solicitou, pois insistentemente, permissão para tornar a enterrar-se na sua querida cartuxa. O Papa apreciava-o demais para conceder-lhe o que pedia; instou para que aceitasse
o arcebispado de reggio; o piedoso solitário desculpou-se com tão sincera humildade, que Urbano II achou que não devia violentar-lhe a modéstia; consentiu, mesmo que se retirasse para um lugar solitário, na Calábria, onde levou, com alguns companheiros que conquistara para Deus, na Itália, uma vida semelhante à das montanhas da cartuxa. Rogério, Conde da Calábria e da Sicília, felicitou-se por abrigar em seus estados tão santa colônia, e doou aos religiosos algumas terras na diocese de Squillace, onde construíram um mosteiro denominado La Tour, cuja igreja foi consagrada no ano de 1094.

Foi dessa solidão que Bruno escreveu a Radulfo Le Verd, então preboste da Igreja de Reims, seu velho amigo, convidando-o a renunciar ao mundo. Depois de agradecer-lhe as provas de amizade que lhe devia, pinta-lhe os atrativos do novo retiro. (...)

Depois do elogio da solidão, São Bruno faz o elogio da vida solitária e insiste com o amigo para abraçá-la, cumprindo a promessa que fizera. Diz-lhe: "Sabeis ao que vos obrigastes e o quanto o deus a que vos consagrastes é terrível. Não é lícito mentir-lhe; pois dele não zombamos impunemente." Bruno relembra ao amigo as piedosas palestras por eles mantidas em Reims, em consequência das quais ambos se tinham comprometido a abraçar a vida monástica. Enfim, intima Radulfo a cumprir seu voto e exorta-o a fazer uma peregrinação a São Nicolau de Bari, a fim de que seja concedida a consolação de vê-lo. Contudo, Radulfo Le Verd permaneceu no estado eclesiástico e, mais tarde, foi elevado ao episcopado de Reims.

São Bruno escreveu, daquela mesma solidão, uma carta a seus irmãos da Cartuxa de Grenoble, congratulando-os, assim como a Landuíno, prior, que viera visitá-lo, por tudo quanto soubera sobre eles, e para exortá-los à perseverança. Felicita em particular os irmãos conversos pela piedade e obediência de que dão provas. Ao terminar , assefura aos solitários da Cartuxa que tem um ardente desejo de vê-los; mas que não lhe é possível satisfazer tal desejo. São Bruno morreu santamente no seu mosteiro da Torre, na Calábria, no ano de 1101, num domingo, 6 de Outubro, dia em que a igreja lhe glorifica a memória, depois de o ter Leão X, solenemente o incluído no número dos santos. (...)


(Vida dos Santos, Padre Rohbacher, Volume XVII, p. 362 à 372)





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