segunda-feira, março 19, 2018

V DOMINGO DA QUARESMA




Poucas frases são tão provocativas como as que ouvimos hoje no Evangelho: “Se o grão de trigo não cair na terra e não morrer, permanecerá infecundo; mas se morrer, produzirá muito fruto”. O pensamento de Jesus é claro. Não se pode gerar vida sem dar a própria. Não se pode fazer viver os outros se nós mesmos não estamos dispostos a “desviver” pelos outros. A vida é fruto do amor e brota na medida em que sabemos entregar-nos.

Há um sofrimento inevitável, reflexo de nossa condição de criaturas, e que nos faz ver a distância que ainda existe entre o que somos e o que somos a ser chamados a ser. Mas há também um sofrimento com o qual as pessoas se ferem mutuamente.

É natural que nos afastemos da dor, que busquemos evitá-la sempre que seja possível. Que lutemos para suprimi-la de nós. Mas precisamente por isso há um sofrimento que é necessário assumir na vida: o sofrimento aceito como preço de nosso esforço para fazê-lo desaparecer de nossos semelhantes. “A dor só é boa se leva adiante o processo de sua superação”.

É claro que na vida poderíamos evitar muitos sofrimentos, amarguras e dissabores. Bastaria fechar os olhos diante dos sofrimentos alheios e encerra-nos na busca egoísta de nossa felicidade. Mas isto sempre seria um preço alto demais: deixando simplesmente de amar.

Quando alguém ama e vive intensamente a vida, não pode viver indiferente ao sofrimento grande ou pequeno das pessoas. Quem ama se torna vulnerável. Amar os outros inclui sofrimento, “compaixão”, solidariedade na dor. “Não existe nenhum sofrimento que possa ser-nos alheio”. Esta solidariedade dolorosa faz surgir salvação e libertação para o ser humano. É o que descobrimos no Crucificado: salva quem compartilha a dor e se solidariza com o que sofre.

Nossos ouvidos não estão habituados a ouvir palavras como estas de Jesus: “se o grão de trigo não cair na terra e não morrer, permanecerá infecundo; mas se morrer produzirá fruto.” Nós pensamos que é só a saúde, a força, o trabalho, isto é, o que nos sai bem, que pode construir positivamente nossa vida. O que podem trazer de bom e positivo à nossa vida a enfermidade, o sofrimento, a desgraça ou o fracasso?

Pensemos, por exemplo, nessa experiência dolorosa do doença que todos podemos sofrer, cedo ou tradem em nossa própria carne. A enfermidade se nos apresenta como algo totalmente mau e negativo, uma fatalidade absurda que lança por terra todos os nosso projetos.

Seja como for a enfermidade pode ser uma experiência de crescimento e renovação, se o enfermo conseguir vivê-la de maneira positiva. Eis a seguir algumas sugestões.

A doença grave abala nossa segurança. Vivíamos tranquilos e sem problemas, e de repente nos vemos obrigados a deixar o trabalho, parar nossa vida e permanecer no leito. Então chegam as perguntas: por que acontece isto justamente comigo? Será que vou curar-me? Poderei voltar de novo à minha vida de sempre?  A o adoecer, comprovamos que nossa vida é frágil e está sempre ameaçada. Se estamos atentos, vamos ouvir que a enfermidade nos convida a apoiar-nos em algo ou alguém mais forte e seguro que nós.

Ao mesmo tempo, nas longas horas de silêncio e dor, o enfermo começa a reviver lembranças prazerosas e experiências negativas, desejos insatisfeitos, erros e pecados. E surgem de novo as perguntas: Isto foi tudo? Para que vivi até agora? Que sentido tem viver assim? É o momento de reconciliar-se consigo mesmo e com Deus, confessor os erros do passado e acolher em nós a paz e o perdão.

Ao caírem tantas falsas ilusões, o doente começa a descobrir o que é verdadeiramente importante na vida, o que não quisera perder nunca: o amor às pessoas, a liberdade, a paz do coração, a esperança. É o momento de reorientar nossa vida de maneira mais humana, intuímos o que será melhor para nós.

Passarão os dias e as noites. O organismo vai cura-se ou, talvez, cairá num processo incurável. Mas, seguindo-a Cristo, muitas pessoas poderão descobrir que o grão que more dá fruto, O sofrimento purifica e a enfermidade pode levar a uma vida mais saudável.

Cf. José Antonio Pagola