sexta-feira, julho 18, 2014

ARGENTINOS NO RIO DE JANEIRO


Quanto ao mais, preferimos esquecer o resultado. Mesmo assim, o assunto volta, até porque ele tem muitos lados.Um deles, certamente, foi a presença argentina no Brasil, independente do resultado da competição. O certo é que o nosso relacionamento com a Argentina mudou de patamar com esta copa no Brasil. Com certeza, nos descobrimos muito mais próximos, brasileiros e argentinos, podendo ser, mutuamente, muito menos preconceituosos.
Dá para dizer que, finalmente, por acontecimentos relevantes, se estabeleceu um novo clima de mútua estima, de amizade e de fraternidade, entre nós e nossos “hermanos” argentinos.

No mês de julho do ano passado, 2013, esteve no Rio de Janeiro o Papa Francisco, argentino, que se sentiu fascinado pela calorosa acolhida dos brasileiros, e arrastou para o Rio de Janeiro uma multidão de argentinos, que surpreendentemente se sentiam em casa na “cidade maravilhosa”.
Em julho deste ano, novamente, o Rio de Janeiro, pela magia da copa, se tornou de novo a meca de uma multidão de argentinos, que tomaram conta do Maracanã e da cidade inteira.
Como a cidade do Rio de Janeiro já não é mais a capital do Brasil, ela poderia ser declarada a capital da Argentina. Nos manuais da utopia, pode haver um capítulo de geografia, encimado pelo título: “Argentina – Capital Rio de Janeiro”!

Esta fantasia me faz lembrar uma cena, vivida no tempo em que eu andava pela Europa, enquanto estudava teologia em Roma.
Fui fazer um estágio de “pastoral rural”, na França, perto de Lyon, num bonito lugarejo chamado Pomier. Era a região do famoso vinho “Beaujaulais”. Mas além dos vinhedos, a região era destino turístico de pessoas que viviam em Paris, mas tinham sua casa de veraneio em lugares pitorescos do interior, como era o caso de Pomier.

Eu estava hospedado na casa paroquial. Mas deixa estar que, num domingo, o padre foi convidado a almoçar na casa de turistas parisienses. Ele fez questão que eu fosse junto. E a presença de um seminarista “brésilien” se tornou o centro das atenções e o motivo da conversação, enquanto se preparava o sofisticado cardápio do dia, com direito a três copos diferentes, para saborear três tipos de vinho.
Os ilustres turistas eram arquitetos e engenheiros, e como estávamos em 1961, o assunto indispensável era Brasília, a nova capital do Brasil, que acabava de ser inaugurada.

Foi então que a conversa tomou um rumo gozado, por misturar dados geográficos, que sempre foi o ponto fraco dos europeus. Eles conhecem muito bem todos os seus riachos, mas são capazes de ignorar o Rio Amazonas, pois ele não faz parte do território europeu, que costuma ser o seu limitado horizonte.
Começa pela observação que um deles me fez, quando ficou sabendo que eu era brasileiro. Ele me contou, muito espontaneamente, que tinha um primo pelos lados do Brasil. Perguntei, então, onde morava o seu primo. E me disse com muita convicção: “Ele mora no México!” Percebi então que seus conhecimentos geográficos não levavam muito em conta as distâncias continentais.

Enquanto íamos conversando sobre a nova capital, um deles se atreveu a conferir sua geografia, e arriscou seu palpite dizendo” “Mas... a antiga capital do Brasil era Buenos Aires”!
Aí, para tirar de letra o embaraço, fui explicando com calma, que na verdade o Brasil já tinha uma capital muito bonita, que era a cidade do Rio de Janeiro, mas que por motivos estratégicos, se pensou de construir uma nova capital no centro do território brasileiro.

Percebendo, então, o equívoco cometido, outro engenheiro entrou logo na conversa, e para suprir a ignorância geográfica do seu colega, emendou direto: “Mas é claro, é Rio de Janeiro” E por sua vez acrescentou: “Não é lá que o Rio Amazonas entra no mar?”

Aí começamos o almoço, pois a conversa preliminar havia sido carregada de percalços geográficos. Mas se fosse hoje, daria para explicar aos ilustres engenheiros, que, ao contrário do suposto, Buenos Aires já não era mais a capital do nosso país vizinho, mas que por motivos futebolísticos, o Rio de Janeiro tinha se tornado a capital da Argentina!

Dom Luiz Demétrio Valentini - CNBB - Bispo de Jales (SP)
Longe de ser um analista esportivo ou crítico de futebol, do qual nada entendo, pergunto-me: por que tanto ódio e rivalidade entre torcedores brasileiros e argentinos? Afinal, as duas nações são amigas e parceiras e não deveríamos nos deixar levar pelo ódio que macula a alma,  a festa e o próprio Domingo, o Dia do Senhor, com este sentimento tão condenado pela Bíblia, sobretudo por Jesus.” “Maior humilhação do que o 7 x 1, jogo da Alemanha com o Brasil, é ver a Argentina ganhar no Maracanã!”, diziam irmãos e irmãs, que tinham acabado de comungar do Corpo de Cristo.
E eu pensava que todos estavam comemorando a tal festa do futebol, mas o que vi e ouvi foi a verbalização da raiva e do rancor. Raiva, porque a seleção brasileira decepcionou e jogou mal, logo não estava na final e rancor, porque uma das seleções da final era a seleção argentina. O  estadio do Maracanã parecia um Coliseu, à moda antiquíssima, com gladiadores e uma torcida ensandecida, perdida, querendo o sangue dos “hermanos”.

Eu não entendo. Muito mais parceira é a Argentina, vizinha importante em todos os setores da vida pública e, durante anos, uma Nação referencial; sua capital, um exemplo de urbanismo e arte. Buenos Aires é uma cidade linda, infelizmente destruída pela corrupção não muito diferente do que ocorre com os demais países latino-americanos.
Eu torcia pela Argentina, talvez porque tenha um coração latino, mas fiquei feliz com a vitória da Alemanha, venceu o que fizera a campanha mais bonita desde o inicio da copa.
Peço, como padre e pastor de uma comunidade cristã, não permitam que a grande festa do esporte se deixe marcar pelo ódio ou por qualquer outro sentimento que nos destrua a alma e o coração. Que os jogos mundiais, copas e olimpíadas nos unam e não destruam os laços de unidade, fraternidade e amizade que temos que ter uns com os outros.
Aproveito para lembrar o que meditamos no 15º Domingo do Tempo Comum, quando pedimos a Deus que retirasse de nós a obsessão pelo ter, pelo ganhar, pelo juntar e desenvolvesse em nós o desejo de semear o amor, a paz e a fraternidade. A propósito, no próximo Domingo, Jesus nos pede que separemos o joio do trigo, que também  separemos os sentimentos que nos foram  imputados pelo Espírito Santo dos outros que não vêm de Deus.
O 16º Domingo do Tempo Comum nos traz, por meio do calendário civil, o Dia do Amigo, que tenhamos sentimentos de amigo, o mesmo que o Senhor disse ter por nós: “já não vos chamo de servos, mas amigos”!!!
Padre Marcos Belizário Ferreira



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